Depois de muito calcorrear a pé o vosso Reino rectângular, arquitectei uma tipologia do vosso provincianismo. A título de exemplo, irei relatar-vos algumas conversas que ouvi nas mais variadas e distantes terreolas do vosso território imperial:
a) Na vossa Província, ainda existem três grandes tipos de provincianismo:
1º Tipo: um provincianismo de ressentimento que brota de um intenso e injustificado complexo de inferioridade em relação a Lisboa. Este género de mentalidade é típico dos vossos régulos locais e da sua respectiva classe social.
Eis uma conversa que ouvi a dois caciques locais:
--Ó Mendes, que me dizes a isto?
--Quê? Não vês que estou ocupado a enviar cheques-galinha aos nossos eleitores?
--Caga lá nesses frangos depenados que passam o tempo todo a votar na gente. Tenho uma proposta indecente a fazer-te: que tal irmos a Lisboa visitar umas meninas muito simpáticas que trabalham no Elefante Branco?
--Não vou!
--Anda daí. Vais ver que não te vai faltar nada.
--Não vou, porque os elefantes nascidos em Lisboa julgam-se superiores aos nossos.
2º Tipo: um provincianismo patrioteiro que admira tudo o que é estrangeiro mas que, ao contrário do vosso provincianismo lisboeta, não o idolatra. Esta forma de pensar é típica de uma certa classe média baixa.
Eis uma conversa que ouvi a dois rapazolas num bar:
--Eh pá, arranjei agora uma alemã de se lhe tirar o chapéu!
--Ai sim? Conta, conta! A gaja é boa?
--Boa? Tás parvo ou fazes-te? A gaja é um avião! Não queiras tu saber…
--Que tal é a gaja nas aterragens?
--Pá, ela aterra com a mesma facilidade com que descola da pista. Aquilo é material de primeira, que é que tu julgas?
--Não gosto da Lufthansa, prefiro a TAP.
3ºTipo: um provincianismo de bairro que brota de uma profunda baixa auto-estima e desemboca muitas vezes num bairrismo parvalhão e bacoco. Esta “concepção do mundo” é característica da pequena burguesia e, curiosamente, de uma certa classe média alta.
Aqui vai uma conversa que ouvi a dois velhotes:
--A nossa terra é a maióri!
--É sim senhôri!
--O nosso clúbi é o maióri!
--E sim senhôri!
--O pádri da nossa igreja é o mais rico de Portugáli!
--É sim senhôri!
--As nossos campos são as mais bonitos de Portugáli!
--São sim senhôri!
--A tua mulher tem um furúnculo na nádega esquerda que é o mais bonito melhóri di Portugáli!
-- É sim senhôri!
No que toca a Lisboa, deparei-me com dois tipos de provincianismo:
1ºTipo: um provincianismo de poder relativamente à Província, que encerra dois matizes básicos, a saber:
1º Subtipo: a Província ainda é muito antiquada e é um lugar perfeito para passar férias ou ter uma casa de campo que se pode e deve ostentar junto dos amigos. Este modelo de provincianismo, no qual me incluiria se fosse português, é característico de uma certa classe média que imigrou para a capital do vosso Reino há uma ou duas duas gerações.
Eis uma conversa entre dois rastas da Moita:
--Pá, e foi então que o gajo começou a mandar vir comigo….
--Que foi que ele te disse?
--Eh pá, o gajo não abriu a boca, mas tal atitude obrigou-me a manifestar o meu vivo repúdio por tudo o que o gajo parecia que ia dizer mas não disse, não te parece que fiz bem?
--Fizeste bem. E o gajo?
--O gajo acenava que sim com a cabeça, como se pretendesse mandar-me àquela parte, tás a perceber?
--Que é que uma coisa tem a ver com a outra?
-- Não tem nada a ver, mas podia ter tido a ver. Repara, o gajo era da Província e com esses gajos todo o cuidado é pouco.
--Mas que foi que ele te disse?
--Nada, o gajo não disse nada. Mas podia ter dito.
--E tu? Que foi que lhe disseste?
--Pá, foi então que me lembrei daquele episódio d`Os Lusíadas, o do Gigante Amesterdão.
--O Gigante Adamastor, queres tu dizer
--Sim, o do Gigante Amesterdão. Pá, assim que comecei a declamar o episódio, o gajo, que só por ser da Província era muito ignorante, foi-se logo embora…E foi assim que me livrei de uma discussão que podia ter acabado mal, muito mal.
--…Que podia ter começado mal, queres tu dizer…
--Sim, pá, que podia ter acabado mal, muito mal…
2º Subtipo: a Província mudou muito, está mais desenvolvida, mas nós é que somos a Capital e não lhes devemos ceder os nossos pergaminhos. Este tipo de tacanhez é característico de uma certa classe média-alta lisboeta que já perdeu a sua oriundez provinciana e se assume como uma espécie de “aristocracia”
2º Tipo: um provincianismo de submissão parva ao estrangeiro. Este género de provincianismo, característico das vossas “classes dirigentes”, nutre um desprezo total pelo vosso país real, e tem o condão de fazer figuras tristíssimas num mero contacto com alguém de fora.
Esta conversa entre dois lisboetas ilustra grosso modo o tipo e o subtipo anteriores:
--Padre Ambrósio, a Povíncia é muito atrasada, não é?
--Quem me chama? Quem me vê?
--Sou eu, o Alípio Figueira, o seu acólito, padre Ambrósio.
--Dize, meu filho, dize.
--A Povíncia é muito atrasada, não é?
--Dize, meu filho, dize.
--Nós somos muito aristocratas, padre Ambrósio, não é verdade?
-- Dize, meu filho, dize.
-- Padre Ambrósio, as pessoas da Província cheiram todas mal dos pés, não é verdade? E isso é o máximo, não é?
--Cheiram, meu filho, ui se cheiram! Sim, isso é o máximo!
--Padre Ambrósio, é na nossa classe social que é recrutada a elite dirigente, não é verdade?
-- Cheira, meu filho, ui se cheira mal dos pés!
-- Padre Ambrósio, é a nossa classe social que fornece os imbecis que ocupam cargos em Lisboa que não servem para nada, não é verdade?
Eis senão quando se aproxima um estrangeiro qualquer:
--Can you speak English?
--Oh yes, yes, yes, yes yes yessssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssss sssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssss
--How may we help you, Sir?
--Pá, cocem-me as costas, nowwwwww!
--Oh yes, yesssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssss yes,sssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssss
--Pá, cocem-me aí quelque choseeeeeeeeeee…
Sim! oui! oui! oui! ouiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
--Caramba, tu és mais que nós! Tu és estrangeeeeeiro!
--Sinhe, suou um gaijo de Nanterre nascido no Puerto, carago!