terça-feira, 20 de novembro de 2007

ENTREVISTAS A GEORGE BUSH-II--CAPRICHOS DE GATO


--Mas que merda é esta? Tem calma, pá. O homem ainda não chegou. Parece que és míope….

--Bem sabes que sou míope.

--Vai ver se estou ali na esquina, Alcabideche José. Não sabes o que estás a fazer. Ainda assim, podias muito bem ter escolhido outra profissão, não achas?

-- Eh, que mau feitio o teu. Piriri pipi…Só sei que vou fazer uns planos lindos.

--Isto não é cinema, pá. É televisão!

-- Com mil diabos, Sarja! Se a raça humana à qual pertences não tivesse irrompido neste nosso pequeno mundo, tal evento seria certamente um bem inestimável para a toda a Humanidade.


Eram exactamente oito horas e sessenta minutos quando entrei pela segunda vez na grande Sala Ovale-Tudo, na Casa Branca. Até aqui, tudo normal. No entanto, de tão comovido que estava, mal sentia o corpo e a alma. Como descrever a vasta complexidade de sentimentos que me acometiam nesse ensejo glorioso? Bem, vejam lá se compreendem esta comparação, porque eu não a entendo: como uma ave a fugir da boca suja de um leão que a não persegue, assim me sentia eu, leão sem corpo e sem asas, a não ser devorado pelo bico limpo de uma corpulenta ave sem juba. C’est pas rigolo?

--Vou começar com um grande plano da sala Ovale-Tudo. Que te parece?

--Não sejas inoportuno, pá. Deixa-me pensar.

Ainda hoje tenho bem presente essa notável manhã de luz e imbecilidade. Enquanto o Bush não chegava, o meu espírito pôs-se então a divagar em inconsciência pura pelo mistério sem destino da vida. Instintivamente, ocorreu ao outro eu que então havia em mim um aforismo por que sempre pautara a minha conduta de eterno-anarquista-sabujo-do-poder. “Bem vistas as coisas, a Vida é a vidinha”--escreveu certa vez o filósofo austríaco – (amigo e confidente de Wittgenstein) --Chico von Ratzinger Barata “e quem não pensa assim é uma bestazinha-quadradinha”. Confesso que levei exactamente oitenta e nove minutos a compreender a dimensão em luz viva deste aforismo. Por outras palavras: passei os últimos dez anos da minha druídica e fabulosa vidinha de anarquista sabujo a folhear com metódica satisfação, aos sábados à tarde, o livro mais conhecido deste inútil e obscuríssimo autor:”Bem vistas as coisas, a Vida é a vidinha”. De qualquer modo, os capítulos que li e reli com especial avidez e acuidade foram “E Quem Não Pensa”; (o Jacques Derrida quê se cuide!); “Assim” (um capítulo que examina a influência de Sartre em Zenão de Eleia) e, por fim, “É uma bestazinha-quadradinha” (o meu favorito).


--Gostava de filmar esse tal de Senão da Ilíada. Que tal começar com um contra-picado em braille?

--Lá estás tu a adivinhar-me os pensamentos. Tu e as tuas telepatias de fancaria míope… Não vês que estou a refectir sobre o sentido da vida?

-- Olha, enquanto o Bush não chega, vou ali ao Kuwait e volto já.

--Que a terra te seja leve, filho das Arábias. Não te esqueças, pois, de levar contigo o camelo de borracha que a TVI pôs à nossa disposição.

--Meu, Já voltei. O camelo era bué de rápido. Estive com a Celina Abdullah Ramallah Infante, a tua namorada…

-- Não acho graça nenhuma a essas brincadeiras. Bem sabes que gosto muito dela, embora já esteja a ficar farto de distâncias. Então, como é que ela está?

--Desde que dormi com ela que está bem melhor.


PAUSA PARA O CAFÉ




Daí a três semanas, chegou o Presidente dos Estados Unidos. Naquele dia memórável de intensa tertúlia, George W. Bush entrou mais alto que o costume. Trazia duas tranças louras coladas às têmporas, um bigode de cetim preto, e um gato aninhado ao pescoço. Só mais tarde é que viria a saber que se tratava de um bicho famosissimo na Casa Branca— o Gato-De-Longo-Alcance.Antes de se sentar num cadeirão verde que pedira emprestado ao José Eduardo dos Santos, Bush solicitou aos seguranças que o revistassem, pois tinha medo de estar armado e de correr perigo de vida.

--Ora viva, Mr. Sarja Akhmani. Bons olhos o vejam. Que é que o traz aqui?

--Sr. Presidente…Excelência…Como bem sabe, sou um eterno-anarquista-sabujo- do-poder. Não resisto a lamber as botas a quem quer que detenha o poder, é mais forte que eu. Pode ser um barbeiro, um porteiro, um alcoviteiro. Pode ser a abelha-mestra de uma numerosa colmeia perdida nos arrebaldes da Amazónia. Olhe, até pode ser a filha de um banqueiro. Qualquer poder serve, está a ver?

--Minúcias, meu caro, minúcias. O poder é o poder, tenha ele a dimensão que tiver. Todo o poder é grande, na medida em que é um ponto de vista que pode ser sempre ampliado até à cegueira total, está a compreender?

--Compreendo tudo, Excelência, vindo de si compreendo tudo. Posso apresentar-lhe o Alcabideche José, actual namorado da minha namorada e operador de câmera da TVI?

--Mas é claro que sim. Muito prazer, sr. Alcabideche. Posso tratá-lo por Al?

--Com certeza, sr. Presidente.O prazer é todo meu. Então, gostou do meu filme?

--De que é que o Al está a falar, Sarja?

--Sr. Presidente, Excelência…Lembra-se da última conversa que tivemos?

--Hum. Vagamente. Deixe-me lá pensar. Ah, sim, estávamos a falar de Steven Spielberg, não é verdade?

--Exactamente.

--What about him?

--O meu amigo e actual namorado da Celina do Kuwait, está convencido que é o Spielberg…

--Ora, minúcias, meu caro, minúcias. Eu também estou convencido de que sou o presidente dos Estados Unidos…

--E não é?!

--Vês? Tu és um parvo, Sarja. Afinal, foste chatear o José Eduardo Moniz para nada. Este gajo não é o presidente!

--Tem calma, Alcabideche José. Sr. Presidente dos Estados Unidos…Afinal, quem é o senhor?

--Ora, meu caro, não me vê aqui aninhado ao pescoço do Gato- De-Longo-Alcance?

--…

--Pois. Como vê, o gato é o presidente e o presidente é o gato.

--Quer então dizer que a pessoa que está sentada no cadeirão verde é o gato e não o senhor?

--Exactamente. Você é perspicaz, Sarja. Quanto a si, Al, que é que tem a dizer de tudo isto?

--Acho muito bem que o presidente dos Estados Unidos esteja disfarçado de Gato-De-Longo Alcance. Assim, já posso fazer um travelling para a frente, tirar os olhos ao gato e usá-los como lentes.

--Cala o bico. Sr. Presidente, o Alcabideche José não é o Spielberg, essa é que é a verdade.

--Então quem é o Al?

--É um operador de câmera gordo e míope que se parece muito com algumas personagens do Edgar Pêra.

--Sendo assim, o Gato-De-Longo-Alcance cessa imediatamente as funções presidenciais e passa a ser o Bush que já foi gato, entende?

--Mas é claro que sim. O óbvio e o obtuso.

--Perdão?

--Nada. Falava com os meus botões. Sr. Pesidente, será que podíamos retomar a conversa que tivemos há dias?

--Sim, claro que sim. Falávamos do Spielberg, o cineasta. O autor de “Encontros Imediatos do Terceiro Grau”, de “Amistad”, “Relatório Minoritário” e desse fabulso filme que o é “Inteligência Artificial”, certo?

--Sim, Excelência. Pelos vistos, gosta muito do Spielberg…

--Hum. Spielberg? Deixe-me pensar melhor. Tem graça. Nunca ouvi falar desse tipo. É famoso?

--Sim, Excelência. Famosíssimo.

--Sarja, já reparaste que as tranças louras do presidente reapareceram nas têmporas do Gato-De-Longo-Alcance?

--Alcabideche José, não interrompas, por favor. Excelência…Quer que lhe fale do Spielberg?

--Hum. Seria interessante. Afinal de contas, como não vou aprender nada consigo, é caso para dizer que a ignorância também não ocupa lugar, certo?

--Tem toda a razão, Excelência. Importa-se que lhe leia uns apontamentos que trago no meu notebook?

--Faça o favor, Sarja.É para isso que servem os jornalistas, não é verdade?

--Ah, claro que sim. Pois então aqui vai:”De origem alemã, Estevão Antunes de Spielberg foi presidente de Israel desde o dia 18 Maio de 1986 até 18 de Maio à tarde do mesmo ano”.

--Sarja, tu topa-me esta cena: reparaste que o bigode de cetim do presidente reapareceu no focinho do Gato-De-Longo-Alcance? Não te parece que o José Eduardo Moniz vai adorar esta reportagem? Afinal, tenho imagens absolutamente inéditas, e não creio…

-- Datze enuff, Alcabideche José! Estou farto das tuas impertinências, sugestões, críticas, alusões, desilusões, queixas, auto-elogios velados, e ingratidões… Estou farto dessas tuas manias, ouviste?

--Bem dizia o presidente que a ignorância não ocupava lugar…

--Com a breca, Alcabideque, deixa-me trabalhar.Além disso, importas-te, por um momento, de descolar da cara do sr. Presidente dos Estados Unidos os teus olhos ramelosos e gorduchos de operador de câmera da TVI?

--No problem, Sarja.O seu amigo míope não constitui uma ameaça séria. Aliás, desde que tomei posse como presidente do mundo que a América está mais segura. Vamos ao Spielberg?


SEGUNDA PAUSA PARA BOMBARDEAR UM PAÍS QUALQUER À ESCOLHA DO GATO-DE-LONGO-ALCANCE




--Com certeza. Acho que me perdi…Ah, já sei onde íamos:” De mais a mais, Spielberg mandou construir um muro em torno das aldeias palestinianas, bombardeou com afecto e simpatia muitas delas, construiu honestos colonatos em território palestiniano, e como se isso não bastasse, aproveitou-se das circunstâncias para os pôr a trabalhar numa fábrica. Foi assim que filmou a “Lista de Schindler”.

--He was a smart guy!

--Claro que era esperto! Acha que o josé Eduardo Moniz me contratou por gostar dos meus lindos olhos?

--Alcabideche, pára com isso!

--Vê lá tu que apesar de míope, consegui ver a boca da Manuela Moura Guedes.

--Essa foi fraca, Alcabideche. Olha, vai lá fora ver se chove.

--Está bem. Acho que vou aproveitar o ensejo para ir até ao Kuwait ver a Celina Ramallah Infante. Olha, já voltei. Este camelo é mesmo bué de rápido.

--Então, que tal está a Celina?

--Está tudo mal... Diz que está arrependida de ter dormido comigo e que continua a gostar do outro que há em ti.

--Ah, óptimo! Sabes, a vida é uma carta fechada para quem tem os olhos bem abertos como ela, e uma carta aberta para aqueles são míopes de espírito como tu, Alcabideche.

--IRRA! Caluda! Datze enuff! Eu, o Gato-De-Longo-Alcance, filho de Isaías e de Jacob, declaro encerradas as tuas conversas com o presidente dos Estados Unidos.

--Chi! Tu… falas como nós?

--Caluda, Alcabideche José! E quanto a ti-mim Bush, bora daqui. Estou cansado de estar parado sem ter país nenhum para bombardear.
Sarja Akhmani

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