sábado, 17 de novembro de 2007

O GENERAL DO BIGODE SEM MEDO





Quem lhe avista o rosto de longe, confunde-o inevitavelmente com um bigode de latão; quem lhe observa de perto a figura, com um vidrão. General na reserva, New Look Cabeçadas-de-Todos-Nós é uma configuração simbólica do aborto totalitário. É um general muito antigo. De bigode e de latão.
New Look Cabeçadas-de-Todos-nós, o sem-idade, forjou pústulas e idades, impérios e bigodes. Acachapado e troncudo, a cabeça dez mil vezes meio arraçada de furão, esta Camilla Parker-Bowles de tanto perdurar e matar foi ordenada general há muitos séculos, há demasiados séculos. Ainda recorda Xerxes, Átila e Calígula. E Alexandre Magno. E Hitler. E Augusto Pinochet. É um caudilho muito antigo, um ouriço de adiposidade. New Look Cabeçadas-de-Todos-nós, o sem-idade, forjou pústulas e idades, impérios e bigodes.
Como de costume, o Censor-mor deste blogue, o distinto Zezé Fernandes, despachou Sarja Akhmani , o famoso repórter iraniano, para local incógnito. Afinal de contas, sendo o nosso general uma personagem tão importante e universal, como poderia alguma vez ter residência fixa?
Sarja Akhmani (S.A.) Boas-tardes, sr. General New Look Cabeçadas-de-Todos-Nós. Antes de começar…
General New Look Cabeçadas-de-Todos-Nós (G.N.L.C.T.) – Tenha calma, calminha, amiguinho Sarja. Como sabe, não tenho nem posso ter residência fixa. Sou como Deus, tenho muitas moradas, que é como quem diz, muitas cabeças. Umas vezes estou na cabeça do Vladimir Putin, a quem empresto o meu bigode sem medo, outras na cachimónia do Robert Mugabe a quem também empresto o bigode, outras nas cacholas do Valentim Loureiro e do Alberto João Jardim, e outras ainda na carola do José Só…
S.A. --José Sócrates?!!
G.N. L.C.T. — Não seja burro, Sarja. Neste preciso momento, encontro-me na cabeça do José Só, um rinoceronte de bigode do Zoológico de Chelas.
S.A. – O bigode é um instrumento imprescindível à sua actividade…
G.N. L.C.T. — Fundamental. O princípio é este: quem quiser ser como eu, tem de disfarçar o medo e a insegurança com o meu bigode sem medo. Isto não é só para inglês ver, compreende?
S.A. – Isto há aqui qualquer coisa que não cheira nada bem. Adiante. Só os generais conhecem as subtilezas da Razão Política, não é verdade?
G.N. L.C.T. — Além disso, que é que o leva a pensar que é de tarde? Pode muito bem ser de dia ou de noite. Isto varia conforme os fusos horários e a cabeça das pessoas. Olhe, ainda há tempos, tive de emprestar o meu bigode sem medo ao primeiro-ministro de Israel e vi-me às aranhas para dar com os fusos horários desse país democrático. Por isso, em vez de dar as boas-tardes, os bons-dias ou de dizer boa-noite, prefiro que me diga “simplesmente Bó”. É mais universal e evita equívocos, entende?
S.A.— Tem toda a razão. Então, “simplesmente Bó”, sr. General, “simplesmente Bó” para si. Deixe-me repetir a pergunta: só os generais dominam o uso da Razão Política, não é verdade?
G.N.L.C.T. — Com efeito!
S.A. — Porquê?
G.N. L.C.T. – Repare, que significa usar da Razão Política nos tempos que correm? Vou dar-lhe um exemplo muito claro: feche os olhos e com a acuidade asfixiante de um homem-rã, visualize um hamster. Está ver o hamster? Está a ver o bico do hamster? As penas? As patas? Os cacarejos do hamster? O raio do galo de olho no hamster? Está a ver o hamster, está a ver, está a ver, ESTÁ A VEEEEER O HAMSTER?
S.A.— Mas isso não é nenhum...
G.N. L.C.T. — Caluda! Agora, feche os olhos e com a afabilidade peluda de um hamster, visualize um homem-rã. Está a ver o homem-rã? Os pêlos? As patas? A língua de fora? Os latidos do homem-rã? Está a ver a cadela de olho ferrado no homem-rã? Está a ver o homem-rã, está a ver, está a ver, ESTÁ A VEEEEER O HOMEM-RÃÃÃÃÃ?
S.A.— Ah, bom, se isto é assim…
G.N.L.C.T--Nos tempos que correm, é isto a Razão Política!
S.A.--É caso para dizer que qualquer pessoa de bom senso e bom gosto se apercebe imediatamente que se trata de um homem-rã. Só um parvo, um professor de Liceu, por exemplo, é que seria capaz de pensar na imagem de um cão.
G.N. L.C.T. — Qual imagem, qual carapuça! É da própria coisa que estou a falar, não da imagem. A imagem da imagem da imagem acaba por se confundir com a coisa em si. Você é mais burro que sei lá o quê. É fácil. Está a ver o hamster? E o homem-rã? Está a ver o hamster? Está a ver, está a ver, ESTÁ A VER O HOMEM-RÃÃÃÃÃ?
S.A. — Sr. General New Look, há quanto tempo é que mudou de nome? Dantes, tinha um nome bem português: Lucas Cabeçadas…
G.N. L.C.T. — Sabe, agora que estou na reserva, o meu filho mais velho, que também já passou à reserva com os suplementos todos, anda a dar-me aulas de inglês ou engalish. Amiguinho, os tempos são outros, óquei? É preciso modernizar a modernização do moderno, ól rait?
S.A. — Daí o estudo dessa magnífica língua. Aliás, são todas magníficas…
G.N. L.C.T. --Amiguinho Sarja, se um general da minha estirpe quiser sobreviver na cabeça de qualquer pessoa, precisa de aprender engalish. I are, you am, está ver como é?
S.A. — Dizem as más-línguas que o sr. não é mais que um general de papel.
G.N. L.C.T. – Tem toda a razão, amiguinho. Não passo de uma ilusão que se instala na mente das pessoa. No entanto, existo na cabecinha de muitíssima gente. Tanto posso emprestar o meu bigode sem medo a um porteiro, como a um ministro, chefe, varredor, presidente, vice-presidente, vice-homem, vice-mulher, vice-criança, vice-bicho…
S.A. — Quer então dizer que ninguém está imune à sua influência, certo?
G.N. L.C.T. – Não seja burro, Sarja. Não, tem toda a razão. Ninguém está imune à minha influência.
S.A. — Diz-se à boca cheia que a gentileza não é uma das suas virtudes…
G.N.L.C.T. – Ora, Sarja, não podia ser de outra forma. Ao contrário de muito gente que tem um raciocínio tortuoso e labiríntico, o meu é muito claro e directo, e repare como isto é verdade: se todo o general é gentil, então todo o não-gentil é general, e se todo o não-gentil é não general, então todo e cada não-gentil é não general. Por conseguinte, como poderia eu ser general?
S.A. — Para si, a obediência cega à autoridade é um valor indiscutível, não é verdade?
G.N. L.C.T. – Pois claro! Como dizia o Oliveira Salazar, “a obediência é a escola do poder”. Repare, a obediência só pode e deve ser cega, porque é essa a natureza do topo da hierarquia. Uma vez mais, vou dar-lhe um exemplo muito simples: o menino Artur obedece ao menino João, o qual, por sua vez, obedece ao menino Manuel que obedece à menina Mercedes que obedece à cegueira da imaginação do menino Francisco. Você acha que a imaginação humana é compreensível na sua plenitude?
S.A.— De facto, não me parece…Bom, existem certos traços gerais…
G.N. L.C.T. – Quais traços, qual carapuça. A imaginação é cega, porquanto nasceu da cegueira humana em face do desconhecido. Portanto, mesmo que esta reposta não tenha piada nenhuma, fica demonstrada a minha tese: obedece cegamente à cegueira que te manda obedecer.
S.A. — Um raciocínio deveras curioso, sem dúvida. Posso saber onde é que o sr. general se encontra neste preciso momento?
G.N. L.C.T. – Acabei agora mesmo de ser chamado pela cabeça do sr. Major Valentim Loureiro, o maior filósofo de bigode de Gondomar.
S.A.— Sim, um homem bom e justo
G.N. L.C.T. – Um santo homem de bigode, digo-lho eu. E um pensador notável. Veja lá que o homem ficou assim de tanto pensar nestes problemas. Pena é que esteja gravemente doente…
S.A. — Doente!? O sr. Major Valentim está doente?
G.N. L.C.T. — Infelizmente, é esse o caso. O sr. Major tem um neurónio. Como sabe, o neurónio é uma doença gravíssima do cérebro.
S.A. — A vida tem dessas coisas. Às vezes, é de uma crueldade sem limites…
G.N. L.C.T. — A esse propósito, deixe-me partilhar consigo o meu lema de vida: “vamos deixar de ser egoístas e pensar um pouco mais em nós.”
S.A. — Mudando de assunto: que pensa da democracia?
G.N. L.C.T. — Parece-me bem, desde que seja aplicada única e exclusivamente aos mais desfavorecidos, assim como a gente desprovida de armas, em geral.
S.A. — Qual o papel dos militares numa democracia moderna?
G.N. L.C.T. — Estou em crer que só militares de bem alimentados bigodes poderão garantir uma democracia de esfomeados.
S.A. — Uma frase lapidar que já há muitos séculos deveria constar da sua lápide. Bom, passemos ao seu hobby: o sr. General New Look Cabeçadas-de-Todos-Nós nutre uma paixão descomunal por sacos de plástico, não é verdade?
G.N. L.C.T. — Homem, cale-se lá que ainda ontem roubei um saco de plástico a uma velhota do Cazaquistão. É da fobia. Veja-me lá que a tipa é chefe de um ministério qualquer do governo deles, e embora não soubesse falar engalish, quis à viva força que lhe emprestasse o meu bigode sem medo. Assim fiz. No entanto, assim que a apanhei desprevenida, zás! roubei-lhe o saco das compras, e vim-me imediatamente embora para a cabeça do José Só…
S.A. — Do José Sócrates?!
G.N. L.C.T. — Homem, não seja parvo. Do José Só, o tal rinoceronte de bigode do Zoológico de Chelas.
S.A. — Mais que um hobby, é uma verdadeira paixão, não é verdade?
G.N. L.C.T. — Sarja, pode acreditar que é mais forte que eu. Tenho fobia àquilo. Mal vejo um saco de plástico, zás, deito-lhe logo a mão. É da fobia, sabe?
S.A. — Estou a ver. Tudo isto é muito esquisito…
G.N. L.C.T. — Tudo isto o quê? Posso saber?
S.A. — Estou a sentir-me esquisto: tremem-me as pernas, os pés estão gélidos, estou a ficar cheio de frio…
G.N. L.C.T.— Você é mesmo parvo, Sarja. Então não sabe que acabei agora mesmo de me instalar na sua cabeça?
S.A. — General Cabeçadas, seja bem-vindo à minha cabeça de bigode iraniano. Agora sou eu quem está no comando das operações, não é verdade?
G.N. L.C.T. — Agora sou todo seu e você é todo meu.
S.A — Que romântico. Cabeçadas, está a ver esta nave espacial? Faça o favor de entrar e de sair bem longe do nosso pobre planeta. Vou pôr em prática o que se diz numa das letras dos Prodigy: “I´m gonna send you outer space/to find another race”. Desejo-lhe uma "simplesmente Bó", Cabeçadas, e Bon Voyage!
Sarja Akhmani, repórter iraniano

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